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NOSSAS PERGUNTAS À HUMANIDADE EM PANDEMIA

sobre esse texto

"Gestos Rumo a Futuros Decoloniais" é um coletivo de artistas, pesquisadorxs, educadorxs, ativistas e estudantes envolvidos em experimentos artísticos e práticas pedagógicos que visam estimular formas sóbrias de viver para além do que podemos imaginar dentro dos parâmetros da modernidade/colonialidade. O coletivo busca pedagogias capazes de nos engajar, ao invés de negar, com violências sistêmicas, com nossos entrelaçamentos e cumplicidade em danos, e com os limites do planeta. Estas práticas habitam um espaço que nomeamos como  "além da reforma", isto é, partem da percepção de que as múltiplas crises atuais são parte fundadora do sistema Moderno/Colonial, e portanto não podem ser enfrentadas apenas com reformas, sejam elas sutis ou profundas, dentro deste sistema. Assim, nossos experimentos pedagógico se baseiam na  administração de tratamento paliativo durante o declínio de um sistema violento e insustentável, e no prestar assistência em “partos” de possibilidades inéditas, que não sejam sufocadas com projeções e que possam valer-se das lições aprendidas com os erros recorrentes do passado, na esperança de que somente erros novos sejam cometidos no futuro.

 

Um grupo de estudantes nos requisitou algumas orientações sobre como agir frente à proliferação do Coronavírus e da ruptura com a pretensa "normalidade", vigente até então. A seguir, elencamos algumas de nossas recomendações/provocações.

 

Importante enfatizar, para aqueles não familiarizados com o trabalho do coletivo "Gestos Rumo a Futuros Decoloniais", que nossas propostas não são prescritivas, ou seja, não criamos um guia passo-a-passo sobre o que fazer, e sim convidamos a práticas e questionamentos críticos que estimulem um engajamento amplo e profundo com o mundo, a partir dos fazeres e investigações de cada pessoa. Portanto, evite olhar para este documento como um conjunto de regras. Podem parecer, mas não o são. Liberte-se do apego à forma (e do desejo de que alguém lhe diga o que fazer) e observe e acolha o chamado para uma relação diferenciada com as intelectualidades, os corpos e os afetos. 

 

Obs: Para aqueles interessados em entender mais a fundo a perspectiva teórica e as pesquisas que orientam nossos trabalhos, sugerimos o artigo Sinalizando Rumo a Futuros Decoloniais: Observações Pedagógicas e de Pesquisa de Campo (em português) e a página do coletivo "Gestos Rumo a Futuros Decoloniais" (materiais em Inglês e alguns em Português).  

 

Obs 2: o material abaixo foi desenvolvido especialmente para ativistas e pessoas envolvidas em lutas de baixa intensidade. Para aqueles em situações de alta intensidade, outras pressões e dinâmicas se aplicam, e portanto as recomendações e provocações aqui presentes podem não fazer sentido. 

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Oferecer cuidados paliativos para o que se vai…

…e se preparar para ajudar em novos partos, sem sufocar o bebê com projeções

 

Regras de Ouro

  1. Estar disponível para o que é necessário, não para o que se quer fazer - aprender a discernir o que o metabolismo da Terra está requisitando do que são suas próprias projeções, desejos e aspirações.    

  2.  Estar presente, com os sentidos ativados (todos os 99 sentidos e 999 sensações) para os encontros com o mundo - reconhecer as próprias fragilidades e sombras, sem deixar que elas ocupem todos os espaços desses encontros. 

  3. Descentralizar, desarmar  e desentulhar o ego (sem jogar os entulhos em cima dos outros) - desenvolver discernimento, desapegar do que é nocivo (a si, aos outros, ao todo); amadurecer.

  4. Interromper o excepcionalismo, o narcisismo, o egoísmo, o desejo por autoridade e o controle das narrativas e relações.

  5. Observar como você responde às mudanças e aos estímulos do momento, e sintonizar-se ao que é chamado a fazer (item A) e à sua responsabilidade visceral.

 

Para se aprofundar

Artigo: Da Casa Construída pela Modernidade ao Micélio Saudável

Vídeo: Vanessa Andreotti para a série  "What is Emerging? Episode 3 - IMAGINING: TOUCHING THE UNKNOWN" (Português/Inglês)

 

Ensinamentos Indígenas: Para cada uma das sessões, trazemos alguns ensinamentos de povos Indígenas que fazem parte da rede de (re)educação e pesquisa "Teia das 5 Curas", uma rede que investiga formas de cura e bem-estar integradas com o metabolismo do planeta, incluindo humanos, não humanos e a própria T(t)erra. O encontro de pessoas socializadas na modernidade com saberes Indígenas é frequentemente problemático, mesmo quando recheado de boas intenções. Por isso, dedicamos significativos esforços em nossas pesquisas para investigar os obstáculos que impedem que este encontro aconteça de forma generativa para ambos os lados, e para que as pessoas socializadas na modernidade estejam disponíveis e abertas para receber estes ensinamentos sem as lentes violentas da modernidade. Alguns dos produtos destes esforços são o livro Towards Braiding (disponível apenas em Inglês), as cartografias Relacionamento com Saberes Indígenas e o poema Why I can't hold space for you anymore

 

Olhar para si 

1. Use o intelecto para identificar e interromper padrões compensatórios de consumo, estimulados por direitos percebidos e fragilidades (especialmente o consumo de conhecimento e audiência através das redes sociais); Renuncie a distrações prazerosas para abrir espaço ao desconhecível (não utilizar a comida ou o cultivo do ego como recompensas do isolamento podem ser um bom começo);

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2. Experimente formas de estar conectado para além da internet (crie espaços offline frequentemente). Perceba as diferenças entre estar conectado e entrelaçado com o metabolismo vivo da Terra tanto no corpo quanto nos pensamentos (lembre-se que cultivar o entrelaçamento significa estar aberto às belezas mas também às sombras e dores da T(t)erra);

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3. Esteja presente para suas emoções e respostas intelectuais, sem apego nem auto indulgências. Reconheça e aceite as partes de você que estão em luto, traumatizadas ou apenas fazendo birra por não poder fazer/ter o que gostariam (a cartografia do ônibus dentro da gente, disponível apenas em inglês, pode ajudar nesse processo). Pergunte a si mesmo o que você está aprendendo e a quais aprendizados está resistindo, sem deixar de se perguntar quem, seres humanos e além dos humanos, está pagando os custos dos seus aprendizados;

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4. Lembre-se de respirar. Crie tempo para estar com você. Não alimente distrações e perceba o que no seu consumo regular é supérfluo. Crie radares para identificar melhor seus erros e armadilhas; 

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5. Seja responsável pelo seu próprio amadurecimento. Tenha paciência com seus processos internos sem ser indulgente. Preste atenção em como suas exigências, projeções e desejos por conforto, sentido, certeza e validação tomam o tempo, espaço, energia e trabalho dos outros - mas lembre-se de pedir ajuda quando for necessário; 

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6. Enraize-se em seu corpo, a partir das dimensões do seu eu individualizado, mas também em toda extensão do corpo da Terra (do qual você é parte). Quando possível, esteja perto da terra, da água e da luz do sol. Aprenda a cultivar seu próprio alimento (será cada vez mais necessário) e esteja atento aos ciclos da vida (tente perceber os ciclos invisibilizados ou escondidos). Não há fora, tudo é entrelaçado;

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7. Não se prenda a nenhuma destas regras. Se for o caso, jogue fora essa lista. Mas lembre-se de prestar atenção de onde vem esse desejo. 

 

Ensinamentos do povo Pitaguary: nossa sociedade é obcecada com o valor do indivíduo, com ser algo a mais (1). O problema é que para existir o mais um, é preciso existir o menos um - e o medo de sermos o menos um, nos impele a buscar ser mais um. Desaprender essa dinâmica pode nos levar ao zero (equidade/entrelaçamento), eliminando tanto as inseguranças derivadas da percepção de não se ter valor quanto do desejo de superioridade que tenta responder a essa insegurança. 

 

Para refletir: Quais são os medos e inseguranças que comandam suas ações? Quais possibilidades se abrem quando você se desapega destes medos e inseguranças? 

 

Olhar para o coletivo

Aqui, elaboramos algumas impressões e recomendações a partir dos nossos próprios erros (recorrentes) e frustrações (várias) no processo de aprender a estar e trabalhar juntxs. 

 

1. Colabore sem apego ou projeções - evite consumir exageradamente o tempo/espaço do grupo e respeite o tempo/espaço dos outros;

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2.  Crie movimentos metabólicos coletivos - que podem se expressar sem palavras - use isso para recalibrar o compasso vital e ajudar a integrar o luto (cada luto é a despedida de um apego específico - quanto maior o apego, mais intenso o luto);

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3. Experimente com modelos de liderança variáveis e ternura radical (ver manifesto); lembre-se da lição do +1 /-1 menos um - isso é, somos socializados em um sistema de competição e valor condicional no qual categorizamos as pessoas como +1 ou -1. Como podemos nos mover coletivamente para o 0? 

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4. Preste atenção e documente as lições que você tem aprendido com os erros do seu coletivo em relação ao metabolismo, e como ele responde, generativamente ou não, aos seus próprios experimentos e às mudanças mais amplas (desenvolva radares para aprender com as falhas, dores e dificuldades dos processos coletivos). Seja sóbrio, curioso, e um pesquisador sensível dos seus próprios processos - use todos os sentidos, sem romantizar nem construir apego sentimental aos experimentos. 

5. Sejam pacientes uns com os outros e com as novas vidas e movimentos emergindo, ao mesmo tempo em que prestam atenção para os velhos e novos erros que podem surgir. 

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6. Não se prenda a nenhuma destas regras. Se for o caso, jogue fora essa lista. Mas lembre-se de prestar atenção de onde vem esse desejo. 

 

Ensinamentos Ainy (Quechua): Encontre as fontes de generosidade disponíveis a você (em termos de recursos, ideias, ensinamentos, tempo, espaço, trabalho, e abrigo). Faça uma lista das coisas pelas quais você é grato e das formas com as quais pode contribuir (ou retribuir) quanto necessário. Sempre cheque a necessidade de retribuição (mesmo se for com seus pais) e as formas de passar a generosidade adiante. Não tome recursos como garantido. Permita-se sentir-se em dívida com a vida para que um sentido visceral de responsabilidade possa emergir. Perceba se você está sintonizado com um movimento/cultura de pegar ou com um movimento/cultura de oferecer (sem esperar algo em troca). Quando duas culturas se encontram, é comum pessoas interpretarem a generosidade alheia como garantida, e sentir-se no direito de consumir/se apropriar das coisas sem nem notar. 

 

Para refletir: Quais bens comuns você utiliza sem nem perceber? Será que os recursos disponíveis estão indo para os mais necessitados? Como o trabalho de garantir recursos é distribuído em seu coletivo?


 

Entrelaçamento com o metabolismo

1. Divida a realidade em diferentes camadas e observe-as com atenção - em especial aqueles camadas nas quais você é o opressor - não dê as costas, esteja disposto a observar esta tempestade que parece varrer todas as esperanças - aprenda a ficar a vontade com a incerteza e a complexidade, e abrace a desilusão como uma dádiva incrível neste momento;

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2. Mapeie rotas e cenários para assumir responsabilidades, e veja o que é possível fazer -  experimente, mesmo sabendo que algumas coisas serão problemáticas, difíceis e dolorosas; faça isso sem desejo por heroísmo, inocência ou virtude;

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3. Tenha paciência com os movimentos metabólicos da bio-inteligência, e caminhe em direção à integração de tudo com o todo, para estar em sintonia com este movimento metabólico (o todo inclui o lixo tóxico, e as armas; as estrelas, e as flores) - não se engane, isto é bem difícil, especialmente no longo termo. Procure fontes de vitalidade sustentáveis, especialmente para os momentos em que se sentir cansado e/ou desapontado com este trabalho;

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4. Esteja disponível - abandone sua arrogância e reconheça a fragilidade de nossa forma atual de existência - tenha alegria em compostar esse grande monte de merda (sem recorrer à moça da limpeza);

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5. Crie forças para o longo prazo - estamos vivendo apenas um primeiro sinal de colapso - especule com cenários possíveis para exaurir os apegos emocionais e intelectuais de como pode ser o porvir (não se apegue aos cenários). 

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6. Nossa espécie está sendo chamada a amadurecer, a se tornar sábia, anciã. Com a responsabilidade, virão também as ferramentas para lidarmos com as merdas que produzimos e empilhamos embaixo do tapete

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7. Não se prenda a nenhuma destas regras. Se for o caso, jogue fora essa lista. Mas lembre-se de prestar atenção de onde vem esse desejo. 

 

Ensinamentos Huni Kui: Existe uma diferença entre sentir a T(t)erra como uma extensão de você ou você ser uma extensão da T(t)erra. Se você sente a T(t)erra como uma extensão de você, você tende a projetar seus desejos e direitos percebidos na T(t)erra e instrumentaliza-lá para sua própria conveniência. Já se você que é uma extensão da T(t)erra, sua existência é baseada em uma responsabilidade visceral com a vida/o metabolismo. 

 

Para refletir: Quais possibilidades de coexistência com a T(t)erra se abrem em cada um destes modos de ser? Quais modelo de existência você herdou de sua família ou da sociedade em que está inserido?

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